Com os pés plantados nas nuvens

maria tereza

Angico – Anadenanthera colubrina

A partir do grupo de pesquisa Âmbar e da sugestão de pensar sobre questões como amplitude, céu, sol, cerrado saberes…e ainda sobre o que venho pesquisando que passa pelas questões sobre o apagamento histórico/sociocultural dos saberes tradicionais de saúde/cura dos mestres raizeiros enquanto saberes de uma ‘outra medicina’, e como estes saberes ainda  resistem e habitam o nosso imaginário, entram em nossas casas, nossas sacadas nos vasinhos de alecrins e cidreiras e nos chazinhos que tomamos…

E ainda, pensando sobre as plantas medicinais do cerrado, as árvores do cerrado, as seivas destas árvores, cheguei até a copaíba ou “pau d’óleo” que é um óleo/resina exsudado pela planta como autodefesa geralmente com propriedades medicinais. Daí lembrei de outras árvores e suas seivas. A seiva do Jatobá e as resinas do Angico.

Bachelard (1898), fala sobre um poder onírico que certas matérias transportam em nós […] “uma espécie de solidez poética que dá unidade aos verdadeiros poemas”.

A resina do Angico, seu brilho, transparência e maleabilidade seduziu meu olhar.

Assim, início a captura de pistas pelos cadernos de anotações, reviro antigos guardados, escritos, esboços, sementes, cheiros,  e tons.

Como havia em casa a resina do Angico, além de vários extratos glicólicos das plantas do cerrado, de quando fazia sabão, pensei em trabalhar com estas coisas. 

Comecei desenhando estas plantas com os extratos glicólicos, buscando usar o próprio extrato (a seiva, princípio ativo medicinal) da planta para desenhá-la. Em seguida continuar recortando e fazendo umas espécies de exsicatas de desenho. E numerando de acordo com aproximação tonal com a tabela de classificação de pigmentos. 

Percebi que a resina do angico estava desidratada e coloquei na água para hidratar, derreteu inteira ficou como um verniz. Daí comecei a desenhar com este verniz. Adorei o delicado tom dourado e suave. Desenhei o Angico com sua própria seiva ou verniz. 

Deixei o verniz de Angico no pires para continuar pintado no dia seguinte que solidificou e ficou vitrificado e fragmentado, adorei o efeito e resolvi trabalhar com as finas camadas de resina craquelada. Peguei os fragmentos de resina, finos e transparentes e comecei a montar formas como se fossem folhas das árvores sobre um tecido. 

Daí pensei, falta água no remédio. 

Peguei a xícara branca, coloquei água e fui colocando os fragmentos da resina… e vi o trabalho. 

A fragilidade, transparência da resina flutuando na água, girando. As sombras no fundo da xícara a luz refletida na água… a cada momento novos desenhos. 

O ciclo, o ir e vir… a resina que gradativamente se dissolve na água, a água que evapora e novamente é resina solidificada, residual, fina e transparente no fundo da xícara…

Por enquanto cheguei até aqui… e resolvi compartilhar com vocês….

Referências:
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos; ensaio sobre a imaginação da matéria. S. Paulo,  Martins Fontes.1998.
LORENZI, Harri. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Limeira S. Paulo. Ed. Plantarum, 1992.
FERREIRA, Heleno Dias. Plantas medicinais das comunidades quilombolas Kalunga.

Maria Tereza Gomes

Artista/ pesquisadora. Bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás, doutoranda no Programa de Performances Culturais da Faculdade de Ciências Sociais UFG. Professora da Faculdade de Artes Visuais/UFG desde 2003. Diretora do Centro Cultural da UFG. (2019). Coordenadora dos Projetos extensão Girau de Saberes e Espaço, passos e pessoas – Ações para o CCUFG. Desenvolve pesquisa em processos de criação e arte colaborativa em comunidades tradicionais. Contato: mterezags@ufg.br