Entre a esperança e a distopia: um processo criativo
Iniciei a ideia desse trabalho depois que estive no sertão goiano, perto da cidade de Pirenópolis, em um fim de tarde e, de um lado, o tempo tinha se fechado, as nuvens vinham com pressa e carregadas de chuva. Do outro lado o pôr do sol em sua intensidade própria, única, como só aqui podemos experimentar. Então, pensei em um trabalho que tivesse uma imersão do espectador, como em uma instalação de arte.
Primeiramente, imaginei uma composição com plásticos transparentes e coloridos formando uma espécie de parede. Ao passarem por essa construção, as pessoas eram tingidas de luz. Depois, essa ideia transformou-se em um vídeo, onde utilizei um projetor e fotos das luzes do pôr do sol que eu venho fazendo desde 2012 clicadas aqui perto da UFG, no bairro do Itatiaia, em Goiânia.
Lembrei-me, então, do som das cigarras que compõem a paisagem, nesta época do ano, prenunciando as chuvas do nosso inverno goiano, que é a estação das chuvas. colocando isso como efeito de áudio no meio da projeção que eu fiz sobre meu próprio corpo, quebrando a passividade da imagem, criando um ruído no meio da luz.
Fiz, então, uma inversão mental do dado natural da paisagem para o lado construtivo do processo criativo, pensando, como referência, nas lâmpadas aqui do bairro onde moro, que são de cor âmbar, também. E, acontece, que muitas vezes as lâmpadas (ou os reatores) entram em curto circuito e ficam acendendo e apagando aleatoriamente. Então, aquilo que é menos perceptível, ou mais “insignificante”, entra na concepção do processo de criação como uma percepção do anônimo, do efêmero e do “erro”. Ou seja, como possibilidade da criação de uma “voz” normalmente desprezada, inaudível para quem não a percebe.
Um tempo depois, ao ligar a luz da cozinha, a lâmpada, além de entrar em curto circuito, começou a fazer um barulho estranho, indicando que, a qualquer momento, poderia estourar e queimar. Pensei que o objeto estava fazendo uma “performance” para mim e que isso poderia ser realizado levando em consideração a imersão que eu buscava, desde o começo,como algo ambiental, porém, muito pessoal, também.
Fiz, então, o vídeo “âmbar com curto circuito”, aproveitando um ruído de lâmpada acesa que encontrei na internet, cujo som me lembrou, também, o das cigarras, e parti para a ideia da “performance no objeto, já desvinculando-me daquele primeiro momento de grandeza épica que a força da natureza trouxe como possibilidade criativa.
Todavia, como a exposição tem caráter online, seria mais interessante, para mim, mostrar esse processo enquanto vídeo realizado – levando em consideração a linguagem própria ao meio – mais do que mostrar as fotografias e ou os vídeos dos experimentos que venho realizando para a criação de um peça cuja possibilidade de experimentação só pode ser realizada presencialmente.
Mas ainda me sentia insatisfeito com o trabalho a ser apresentado. Queria algo que se misturasse, por oposição, à paisagem natural, criando uma nova paisagem, naturalizada. Assim, haveria a possibilidade da camuflagem, como fazem os insetos, que misturam-se à natureza para se salvarem dos predadores. Precisava conceber uma síntese que se somasse e arrematasse a ideia, como um todo.
Retomei, então, as fotos que me serviram de “roupa” para a projeção que resultou no primeiro vídeo que fiz, e escolhi, entre elas, uma que foi tirada pouco antes do anoitecer, com as luzes acesas, coloridas como o fim da tarde que ia embora. A memória do pôr do sol do centro oeste fica viva nas lâmpadas dos postes da UFG! Então, animei-a com luzes piscando e juntei os sons do curto circuito da lâmpada com os das cigarras, pensando em algo que se torna “poético” pelo seu defeito, pela sua falha, pelo seu erro.
O processo de criação é envolvente e pertence a um raciocínio e a uma lógica que são contrárias à linearidade. Tem uma exigência própria, mas quando estamos abertos e entregues ao processo, ele acaba por se apresentar, generosamente, desdobrando-se sem parar entre o acaso e a precisão. Isto é, pelo menos é assim que muitas vezes acontece no meu processo criativo, em que questões vão se acumulando e os sentidos se ampliando para além da forma e do controle sobre o próprio ato criativo.
Professor na Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás, possuindo doutorado pela mesma instituição. Como artista, desenvolve pesquisas no campo da intervenção urbana, da instalação sonora e na produção de objetos escultóricos. Sua pesquisa plástica está voltada para a instabilidade gravitacional e na ideia do silêncio e do vazio como parte da ação artística.